Edição #13 | Verra cede à pressão de comunidades no Amazonas
Mas recuo da certificadora no caso Mejuruá, com registro negado a projeto de carbono que assediava associações extrativistas, deve também servir de alerta
Bem-vinda e bem-vindo à newsletter InfoCarbono – uma publicação da Camargo e Gomes Advogados sobre o mercado de carbono no Brasil e suas implicações para os povos e comunidades tradicionais.
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Neste número: uma vitória e muitas lições na luta das comunidades do Baixo Médio Juruá e Baixo Riozinho que obrigou a Verra a recuar do registro de um projeto de carbono sob suspeita; na seção Conceitos Básicos: a grande política e a ação individual na redução de nossas “pegadas de carbono” – como saber quais programas de geração de créditos são legítimos? Mais: notícias, informação e análise.
Projeto Mejuruá: um desfecho que traz alívio, mas impõe lições
Um pouquinho do que pensamos sobre regulamentação, descarbonização e os povos e comunidades tradicionais
A decisão da certificadora Verra de negar o registro do Projeto Mejuruá em seu programa de créditos de carbono representa um marco no ainda incipiente debate sobre justiça climática e o lugar das comunidades tradicionais no mercado voluntário brasileiro. É um reconhecimento, ainda que indireto, de que não há certificação ambiental legítima possível quando os direitos territoriais e culturais das comunidades são violados.
Após meses de mobilização, denúncias e ações institucionais articuladas por lideranças locais e organizações como o CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas), o resultado é, enfim, uma boa notícia: um projeto marcado por vícios de origem, falhas de consulta e pressões indevidas não obteve a chancela internacional que tanto buscava. (Confira, no primeiro link da nossa seção Extra! Extra!, o histórico completo do caso contado pelo portal Amazônia Real.)
Mas, se há alívio, é preciso dizer: há também indignação. E há alertas.
A recusa por parte da Verra, embora tecnicamente motivada pela constatação de que a empresa auditora não tinha de início avaliado corretamente a conformidade do projeto às normas internacionais vigentes, reflete, de fato, a gravidade do cenário que se impôs: violações reiteradas ao direito à consulta livre, prévia e informada; oferecimento de benefícios em troca de adesão forçada; disseminação de desinformação sobre os direitos territoriais dos comunitários; e a omissão sistemática da certificadora em responder a alertas e notificações públicas durante meses. A recusa do registro – decisão tornada pública no último dia 9 de abril – vem como consequência direta da insistência das comunidades em denunciar, resistir e reivindicar, com apoio técnico e jurídico, o que é seu por direito.
Essa conquista, contudo, não apaga os riscos ainda presentes.
No momento mais crítico do processo, quando a Recomendação nº 01/2025 do Ministério Público Federal no Amazonas apontava a urgência da suspensão do projeto e da cessação do assédio aos comunitários, foi o próprio Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) quem atuou para barrar essa medida de proteção, acolhendo a tese – questionável e perigosa – de que haveria dúvida quanto à presença de populações tradicionais na área afetada. Ao fazê-lo, não apenas deslegitimou a atuação do MPF na defesa desses povos, como contribuiu para uma revitimização institucional das famílias da região, cuja trajetória de mais de cinquenta anos no território foi ignorada, assim como seu direito constitucional ao autorreconhecimento como comunidade tradicional.
É importante lembrar: o Projeto Mejuruá, que previa atuar sobre mais de 900 mil hectares de floresta amazônica, superpunha-se a territórios ocupados por ribeirinhos extrativistas cuja vida está enraizada na pesca, na agricultura familiar e no manejo sustentável da floresta. Ainda assim, representantes da empresa BR Arbo circularam pelas comunidades sem consentimento prévio, propuseram contratos e promessas de “benefícios” em troca de apoio ao projeto e, em muitos casos, o fizeram sob a chancela de figuras ligadas à Fundação Amazônia Sustentável – em claro conflito de interesses, como demonstrado pelos documentos reunidos no inquérito civil instaurado pelo MPF.
Diante desse histórico, o recuo da Verra – pressionada pela evidência incontornável das violações e pelo risco à própria reputação – deve ser visto não como um gesto espontâneo de diligência, mas como resultado direto do engajamento de base e da atuação coordenada de entidades locais e nacionais. É, acima de tudo, uma vitória das comunidades tradicionais sobre a lógica predatória que ainda contamina parte do mercado voluntário de carbono.
No entanto, vitórias como essa não podem depender da persistência heróica das comunidades em enfrentar sozinhas conglomerados bem assessorados e respaldados por estruturas de poder. É urgente que os marcos legais, regulatórios e institucionais sejam aprimorados para impedir preventivamente esse tipo de assédio, manipulação e exclusão.
Como já vínhamos alertando em InfoCarbono acerca do caso em questão, e de maneira geral quanto ao que está em jogo nas negociações internacionais sobre créditos de carbono no Brasil, não é possível consolidar um mercado justo, transparente e ambientalmente íntegro sem que os povos e comunidades tradicionais estejam no centro da discussão – não como objetos a serem mapeados, mas como sujeitos com voz, agência e direitos garantidos. É indispensável que:
- o direito à consulta, previsto na Convenção 169 da OIT, seja respeitado em todos os projetos de carbono, inclusive os voluntários;
- as certificadoras internacionais assumam responsabilidade direta na verificação do cumprimento das salvaguardas sociais;
- haja mecanismos públicos eficazes de supervisão e responsabilização em caso de violação de direitos;
- o Estado brasileiro assegure apoio técnico-jurídico permanente às comunidades, sobretudo nas fases iniciais de abordagem e negociação;
- a repartição de benefícios siga critérios justos, transparentes e proporcionalmente vantajosos às populações que conservam a floresta com seu modo de vida.
É possível constranger atores globais a agir com mais rigor – desde que se crie um ecossistema regulatório mais robusto, protetivo e justo. Mas o caminho para um mercado de carbono brasileiro legítimo passa, antes, por reconhecer que não há crédito climático válido sobre território usurpado, nem benefício climático sustentável sem justiça social.
As lições do Baixo Médio Juruá e Baixo Riozinho apontam esse rumo.
Notícias & Artigos do Mês [Abril/25]
Um olhar atento para informações e opiniões sobre créditos de carbono, aqui e lá fora
CNN Brasil: União Europeia considera usar créditos de carbono para cumprir meta
Forbes Brasil: Inteligência espacial está revolucionando os créditos de carbono
Globo Rural: Amaggi faz parceria para gerar créditos de carbono em RO
Capital Reset: Petrobras vai comprar carbono de reflorestamento com preço pré-definido
Folha de S. Paulo: Petrobras prioriza restauração da Amazônia após receber créditos de carbono de área com desmate
Poder360: Piloto brasileiro será pioneiro em compensação de carbono na F3
Exame: Projeto pioneiro transforma economia de energia da iluminação pública em créditos de carbono
VALOR ECONÔMICO
Reforma tributária e créditos de carbono
Especialistas analisam como as mudanças fiscais podem influenciar a tributação e a comercialização desses créditos
The Guardian: Australia's biggest industrial polluter receives millions in carbon credits despite rising emissions
Sustainability Magazine: Why is the UK introducing carbon credit standards
Business Times: Singapore's carbon credit tender receives bids totalling more S$1.3 billion
The East African: Why Ugandan farmers are missing out on carbon credits
Outlook India: The role of blockchain in green finance and carbon credits
FORBES
Na seção Conceitos Básicos, trazemos uma curadoria de conteúdos didáticos sobre o mercado de créditos de carbono.
Nesta edição, o vídeo da série “Vale a pena perguntar”, do Instituto FHC, e o material dos links em destaques (abaixo), do portal internacional de notícias da alemã Deutsche Welle e do Conjur, ajudam a entender os dois níveis complementares de atuação possível para mitigar os efeitos da mudança climática sobre o meio ambiente, especialmente em biomas sensíveis (e vitais!) como a Amazônia: por um lado, a negociação política e diplomática, que a COP de Belém, aproximando-se rapidamente no horizonte de novembro deste ano, colocará mais uma vez à prova; por outro, como mostram com didatismo DW e o artigo de Adriana Fonteles Silva no Conjur, aquilo que está ao alcance da ação individual – reduzir a própria “pegada de carbono” exige saber distinguir entre créditos legítimos e duvidosos, e isso vale tanto para empresas e países quanto para cada de um de nós.
DW: How can I tell if a carbon credit is legit?
Ever wish you could clean up your carbon footprint from flying? That's what some carbon offset programs promise to help you do, by planting a tree, for instance. But do they work? Here's what to look out for
CONJUR: Adicionalidade – Critério de integridade ambiental no mercado de créditos de carbono
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