Edição #06 | Por justiça no mercado de carbono
Em mais um episódio que serve de alerta, comunidades interpelam Verra e intermediários de créditos com atuação obscura e abusiva no Amazonas
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Neste número: comunidades tradicionais da região do Baixo Médio Juruá e Baixo Riozinho notificam extrajudicialmente intermediários de créditos de carbono e a certificadora Verra; “O que é pegada de carbono?” – estreia da seção Conceitos Básicos. Mais: notícias, informação e análise.
Transparência é chave para mercado justo
Um pouquinho do que pensamos sobre regulamentação, descarbonização e os povos e comunidades tradicionais
As comunidades tradicionais da região do Baixo Médio Juruá e Baixo Riozinho, no município de Carauari, Amazonas, enfrentam uma luta histórica pela preservação de seus territórios e formas de vida, que se intensificou com o Projeto Mejuruá – Conservação Florestal Médio Juruá, proposto pela BR Arbo Gestão Florestal S.A. A iniciativa, que visa obter certificações internacionais para comercializar créditos de carbono, está envolta em uma série de irregularidades que violam os direitos dessas comunidades, ameaçando sua existência e o patrimônio ambiental que elas sustentam há gerações.
Representadas pelas associações AMAB e ASMOBRI e pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Carauari, as comunidades denunciaram formalmente a sobreposição de aproximadamente 20% do território do projeto com suas terras tradicionais, sem a devida consulta e compensação. De acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as comunidades têm direito à consulta livre, prévia e informada, um princípio que deixou de ser devidamente aplicado pela BR Arbo – empresa que também entrou sem autorização nos territórios ocupados e pressionou moradores a assinar contratos com cláusulas abusivas e vagas.
A indignação das comunidades é legítima, pois elas não só mantêm uma relação simbiótica com a floresta, como também são, em grande parte, responsáveis pela preservação que torna possível a própria geração de créditos de carbono. Assim, qualquer benefício decorrente da comercialização desses créditos deveria contemplar a justa repartição com as populações locais, que historicamente garantiram a conservação ambiental. No entanto, o Projeto Mejuruá oferece uma proposta vaga e insuficiente de “títulos de terra progressivos”, sem qualquer segurança jurídica ou reconhecimento do direito já consolidado dessas comunidades.
Diante dessa situação, as associações e o sindicato não apenas enviaram uma notificação extrajudicial à BR Arbo, exigindo a suspensão de suas atividades irregulares, como também notificaram a Verra, a certificadora internacional responsável por conceder o selo de padrões ambientais e sociais ao projeto. Até o momento, contudo, a Verra não deu resposta a essa notificação, o que só agrava a desconfiança sobre a transparência e a legitimidade dos processos de certificação de créditos de carbono no Brasil.
O que está em jogo aqui não é apenas a sustentabilidade de um mercado emergente, mas a proteção dos direitos das comunidades tradicionais e a integridade da floresta amazônica. A continuidade do projeto da forma como está coloca em risco a subsistência de inúmeras famílias que dependem da exploração sustentável dos recursos naturais, como a pesca, a agricultura familiar e o extrativismo de borracha e açaí. Além disso, a ausência de uma solução justa pode gerar danos materiais e morais irreversíveis às comunidades, as quais, ao invés de se beneficiarem das promessas de desenvolvimento, estão sendo assediadas e desrespeitadas.
A solução para essa crise não é simples, mas é urgente. A Verra, assim como os intermediários envolvidos no mercado de créditos de carbono, têm a responsabilidade de assegurar que seus projetos respeitem os direitos humanos e ambientais das populações locais. A cooperação é crucial para que se alcance um modelo de negócio mais ético e sustentável, que verdadeiramente incorpore a justiça social e a preservação ambiental em suas práticas.
Em suma: é mais um episódio que serve de alerta para que o mercado de carbono, em sua implementação no Brasil, seja construído sobre bases sólidas, justas e transparentes, no qual o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental caminhem juntos com a valorização e o respeito aos direitos dos povos tradicionais.
Notícias & Artigos do Mês [Setembro/24]
Um olhar atento para informações e opiniões sobre créditos de carbono, aqui e lá fora
Jornal de Brasília: Brasil defenderá nova meta de financiamento climático e mercado de carbono na COP29
Folha de S. Paulo: Google comprará créditos de carbono de startup brasileira: Big tech anuncia aquisição de 50 mil toneladas de créditos de carbono até 2030 da Mombak
Folha de S. Paulo: Amazon, Bayer e mais quatro empresas comprarão US$ 75 milhões em créditos de carbono da Amazônia
CNN Brasil: Meta anuncia compra de até 3,9 milhões de créditos de carbono do BTG
Revista Apólice: Future Climate e Aon lançam seguro de créditos de carbono
Diário do Transporte: BBTS, do Banco do Brasil, busca certificar créditos de carbono gerados no transporte de encomendas realizado pela Nova Itapemirim-Suzantur
Exame: ISA CTEEP apoia novo projeto de créditos de carbono para preservação de 40 mil hectares na Amazônia
Agência Pará de Notícias: Comitê debate documentos que dão sequência à implementação do Sistema Jurisdicional de REDD+ no Pará
O governo do Pará anunciou a maior operação de crédito de carbono da história, com um acordo que chega a quase R$ 1 bilhão de reais. A parceria foi firmada com a Coalizão LEAF, uma organização não governamental que reúne empresas da Noruega, Estados Unidos, Reino Unido e Coreia do Sul. #CNNBrasil
#react
Agência Cenarium: Indígenas criticam governador paraense Jader Barbalho por venda de crédito de carbono sem consulta
O Eco: MP lança livro sobre efeitos do mercado de crédito de carbono em comunidades: Promotores do Pará reuniram relatos de impacto do mercado do clima sobre comunidades indígenas e quilombolas; publicação está disponível para download.
The Economist: Can the voluntary carbon market save the Amazon? Entrepreneurs in Brazil are betting big on planting trees
CarbonCredits.com: Taiwan to Launch Carbon Credit Exchange That Could Rake in US$131 Billion by 2030
Forbes: Supply Of High-Quality Carbon Credits Must Be A COP29 Priority
Folha de S. Paulo
Brasil perderá oportunidade se não aprovar mercado de carbono em breve, diz BloombergNEF
Líder global de transição energética da organização diz que país precisa aproveitar presidência do G20 e da COP para remodelar negócios climáticos
Migalhas: O mecanismo de ajuste de carbono na fronteira e seus impactos no Brasil
ConJur: Regulação da descarbonização como instrumento de justiça climática
Reset: É o preço do carbono – não os mercados – que reduz as emissões
Jota: A chance histórica para o Brasil avançar na regulamentação do mercado de carbono
Jota
A proteção das comunidades tradicionais no mercado de carbono
Como o Ministério Público pode contribuir?

InfoCarbono estreia nesta edição a seção Conceitos Básicos. Nela, trazemos uma curadoria de conteúdos didáticos sobre o mercado de créditos de carbono.
Esta primeira seleção – com conteúdos produzidos pela Folha de S. Paulo (clique na imagem acima para acessar) e pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), por meio do Programa Regional Ambiental para a Amazônia (AREP) – ajuda a entender o conceito de “pegada de carbono”.
Na definição bastante esclarecedora de USAID e AREP: “A pegada de carbono é o volume total de dióxido de carbono (CO2, um gás que causa aquecimento global) liberado por uma pessoa ou grupo de pessoas por meio de suas atividades do dia a dia”.
As agências apontam ainda o que, nessa questão, configura-se como o grande problema brasileiro: “A Amazônia, maior floresta tropical do planeta, reduz não apenas os gases de efeito estufa na região, mas também no mundo todo. No entanto, estudos recentes demonstram que certas partes da Floresta Amazônica estão liberando mais CO2 do que conseguem absorver".
Ou seja, antes de mais nada, é preciso reduzir o volume de CO2 e outros gases de efeito estufa liberados por atividades humanas na Amazônia – sua própria “pegada de carbono”. (Além do vídeo a seguir, você encontra outras informações a respeito aqui e aqui.)
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