Edição #12 | COP para quem?
Participação dos povos da floresta será o verdadeiro teste de legitimidade da conferência de Belém
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Neste número: voltamos ao tema de como tornar a COP30 um marco na luta contra a mudança climática – e a resposta está em dar voz de fato aos povos e comunidades tradicionais na conferência de Belém, em novembro. Mais: informação e análise numa seleção especial de vídeos.
Não basta que fale sobre os povos da floresta – COP30 precisa deixá-los falar
Um pouquinho do que pensamos sobre regulamentação, descarbonização e os povos e comunidades tradicionais
A poucos meses da abertura da COP30, a ser realizada em Belém do Pará, cresce o debate sobre qual será o verdadeiro legado do evento — e, sobretudo, quem de fato terá voz ativa na maior conferência climática do planeta. A resposta, que deveria parecer óbvia em um encontro sediado no coração da Amazônia, continua cercada de incertezas. Afinal, esta será uma COP para os povos da floresta — ou apenas sobre eles?
Em entrevista recente ao programa Roda Viva, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente designado da COP30, reconheceu que “é preciso ouvi-los muito mais”, referindo-se a indígenas, quilombolas e outros grupos que vivem e protegem a floresta amazônica. Também admitiu que “não temos a resposta perfeita” sobre como garantir a participação efetiva dessas populações na agenda climática. Ainda que bem-intencionadas, as declarações expõem uma contradição fundamental: se os povos tradicionais são os mais diretamente impactados pelas mudanças climáticas e os maiores responsáveis pela conservação dos biomas, por que sua presença segue sendo tratada como uma questão pendente?
Entre essas populações, um grupo tem sido particularmente invisibilizado nos debates internacionais: as comunidades extrativistas. Mesmo sendo responsáveis por proteger milhões de hectares em reservas como as Resex e outras áreas de uso sustentável, muitas vezes enfrentam burocracia, desinformação e exclusão em projetos que envolvem créditos de carbono. Como esta InfoCarbono já apontou em diversas edições, os mercados de carbono — sejam eles regulados ou voluntários — só terão legitimidade se garantirem autonomia, consulta prévia e participação ativa desses povos em todas as etapas dos projetos. A centralidade das comunidades na preservação precisa se refletir também na governança e na repartição dos benefícios.
No prefácio que assina para uma inovadora coletânea de artigos com autores de ponta sobre o tema (a ser noticiada em primeira mão nesta newsletter – aguardem!), a ministra Marina Silva destaca que créditos de carbono não são algo que deva ser entendido apenas como um mecanismo financeiro. Nas palavras da ministra, em sua necessária diversidade – daí o plural – os mercados de carbono, especialmente no Brasil, são uma ponte que “conecta ciência e economia, tecnologia e ecologia, desenvolvimento e justiça social”.
Essa visão exige mais do que marcos regulatórios ou investimentos verdes — exige escuta, redistribuição de poder e reconhecimento de direitos. Não há transição ecológica séria que desconsidere as experiências e os modos de vida daqueles que há séculos convivem com e dependem da floresta em pé.
André Corrêa do Lago reconhece, com franqueza, que apenas os países têm assento nas negociações formais da COP. Mas é justamente por isso que o Brasil — país anfitrião, com vocação para liderar a diplomacia climática — deve ousar mais. A COP30 pode ser o espaço para estabelecer mecanismos inovadores de escuta e incorporação das vozes dos povos da floresta, inclusive das comunidades extrativistas, que até hoje têm suas contribuições subestimadas. Não se trata apenas de protocolar a presença desses grupos em painéis paralelos ou de celebrar sua cultura em cerimônias de abertura. Trata-se de construir, com eles, os caminhos para o que Marina Silva chama de “novo ciclo de prosperidade, diversificado e inclusivo”.
O Brasil acertou ao escolher a Amazônia como sede da conferência. Foi um gesto político com forte valor simbólico — mas, como lembra também a ministra Marina em seu prefácio à coletânea de artigos que lançaremos em breve, símbolo por si só não basta. É preciso que a transição climática seja construída com “justiça social, governança ambiental e respeito aos povos indígenas e comunidades tradicionais”. A floresta, afinal, não é um vazio verde pronto para ser negociado em fórmulas técnicas e relatórios financeiros. Ela pulsa com gente, memória, trabalho e conhecimento ancestral.
Belém, com todos os seus desafios, pode se transformar no palco de uma virada histórica — desde que a pergunta essencial não seja deixada de lado: COP para quem? Se a resposta for apenas “para os mesmos de sempre”, perderemos uma chance preciosa de fazer da transição ecológica uma realidade partilhada e de mostrar ao mundo a verdadeira cara da Amazônia. Mas se for, de fato, para e com os que vivem a floresta, teremos dado um passo real rumo à construção de um futuro climático justo, sustentável e verdadeiramente coletivo.
**Na seção In Loco (especial COP30) desta edição, InfoCarbono traz um resumo e destaca um trecho da entrevista do presidente da Conferência, concedida ao Roda Viva, com o link para o programa completo. Vale conferir.
“Cada crédito de carbono nasce de algo concreto e real: o carbono e sua captura, o sequestro que se dá em florestas, solos e oceanos — e o impacto que isso gera para comunidades que dependem diretamente da preservação desses recursos naturais.”
Marina Silva, no prefácio à coletânea O Brasil nos Mercados de Carbono: Propostas e Perspectivas (no prelo)
Notícias & Artigos do Mês [Março/25]
Um olhar atento para informações e opiniões, aqui e lá fora – neste número: uma seleção especial de vídeos e webinars com pontos de vista diversos sobre os mercados de carbono
SISTEMA OCB **Webinar**: Mercado de Carbono: Cooperativas Rumo à Descarbonização
CNN Mais Verde: Quilombolas gerenciam projeto de créditos de carbono
Canela Amarela: Climate finance, crédito de carbono e ESG
Entrevista com D’Avila: "Mercado de carbono é uma promessa que não chegou ao produtor", diz Marcos Jank
AMBIENTE y COMUNICACIONES **Webinar Internacional**:
Roda Viva | André Corrêa do Lago (íntegra da entrevista)
O tradicional programa de entrevistas da TV Cultura recebeu o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. O embaixador destacou que a Conferência ocorrerá em um contexto particularmente complexo, já que dois dos principais atores mundiais das negociações climáticas, os Estados Unidos e a União Europeia, reavaliam suas prioridades e se distanciam do combate às emissões de gases que causam o aquecimento global.
E, mais importante, conforme já indicamos no Editorial desta edição de InfoCarbono e fica claro no trecho da entrevista destacado acima, a autoridade maior da COP30 não poderá se omitir de responder à pergunta que não quer calar: como garantir que os povos da floresta tenha voz de fato nas negociações do clima?
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