Com análises interdisciplinares e prefácio de Marina Silva, coletânea recém-lançada aborda questões como justiça ambiental, inovação climática e regulação da geração e do comércio de créditos
Bem-vinda e bem-vindo à newsletter InfoCarbono – uma publicação da Camargo e Gomes Advogados sobre o mercado de carbono no Brasil e suas implicações para os povos e comunidades tradicionais.
Nossa newsletter chega um pouquinho mais tarde este mês com uma grande novidade: saiu o livro Mercados de Carbono – Fundamentos, Propostas e Perspectivas, que reúne artigos de pesquisadores de distintas áreas do conhecimento sobre esse importante fenômeno sob múltiplas perspectivas – jurídicas, sociais, tecnológicas, econômicas e ecológicas.
EDITORIAL
Créditos de carbono em debate
Em novo livro, artigos de especialistas brasileiros e estrangeiros mapeiam desafios jurídicos, sociais e econômicos da compensação climática
Uma coletânea de artigos inéditos, escritos por grandes especialistas de procedências regionais e formações bastantes diversas entre si, contemplando variados aspectos dos mercados de carbono e sua regulamentação no Brasil e no mundo.
Soa ambicioso – e descreve bem o abrangente panorama desse debate presente no livro Mercados de Carbono – Fundamentos, Propostas e Perspectivas, recém-lançado pela editora Quartier Latin, de São Paulo. Iniciativa sem fins lucrativos, a coletânea teve a coordenação do professor Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ao lado de Adriano Camargo Gomes (mestre em Direito pela Universidade de Oxford e doutor pela USP) e Elis Wendpap (mestre em Direito pela NYU e pela UniCuritiba).
A opção pelo uso do plural – “mercados” – já anuncia a vocação da coletânea: ao invés de sugerir um modelo único ou uma resposta uniforme, reconhece a diversidade de arranjos institucionais, motivações políticas e estratégias econômicas que compõem o campo atual da mitigação via créditos de carbono. A emergência de mecanismos de compensação e sequestro de gases de efeito estufa (GEE), bem como sua institucionalização acelerada em contextos nacionais e internacionais, tem se dado de maneira desigual, frequentemente marcada por incertezas jurídicas, disputas sociais e dilemas técnicos e ambientais. É a essa realidade concreta – e a seus impasses – que os artigos reunidos se dedicam.
Dividido em cinco partes temáticas, o volume começa por abordar as interfaces entre os mercados de carbono e as comunidades tradicionais, com atenção especial à região amazônica. Nessa primeira seção (caps. 1 a 4 – confira com exclusividade o sumário do livro na seção Extra! Extra! desta newsletter), os autores questionam os efeitos redistributivos e simbólicos da financeirização da natureza, e analisam tanto os riscos de marginalização quanto as oportunidades de valorização e proteção de modos de vida ancestrais. O debate se ancora na constatação de que essas populações desempenham papel fundamental na conservação de ecossistemas, mas que frequentemente têm sido excluídas das decisões sobre projetos que incidem diretamente sobre seus territórios.
Na sequência (caps. 5 a 9), a coletânea mergulha nas questões jurídicas associadas à regulação e implementação dos mercados. Discute-se desde a titularidade de créditos de carbono até os desafios normativos e interpretativos impostos por projetos em áreas de uso coletivo, como terras indígenas, reservas extrativistas e assentamentos agroecológicos. Essa seção também analisa a interação entre o direito internacional e os regimes climáticos emergentes, mostrando como pareceres consultivos de cortes internacionais vêm moldando expectativas normativas sobre mitigação e adaptação.
A terceira parte (caps. 10 e 11) é dedicada ao mecanismo REDD+, Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, cuja implantação em escala jurisdicional no Brasil tem despertado intenso debate. A coletânea examina experiências estaduais e discute a viabilidade de políticas públicas que conciliem conservação e desenvolvimento, destacando ainda os entraves regulatórios e a importância de governança federativa coordenada. Além disso, analisa-se o papel do setor de uso da terra e agricultura (AFOLU) no redesenho de estratégias climáticas eficazes.
A quarta seção (caps. 12 a 15) desloca o foco para os aspectos práticos e econômicos desses mercados. Os textos tratam da necessidade de segurança jurídica para atrair investimentos sustentáveis, do impacto de mecanismos internacionais como o CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism) europeu nas exportações brasileiras, e do potencial de tecnologias emergentes como blockchain e tokenização de ativos ambientais. Aborda-se ainda o papel dos créditos de carbono em setores de difícil descarbonização, como siderurgia, cimento e transporte marítimo, enfatizando a urgência de combinar soluções naturais e inovação tecnológica.
Por fim, o livro apresenta um artigo metodológico, também inédito e traduzido especialmente, com a assinatura do grupo Cambridge Centre for Carbon Credits (4C), da Universidade de Cambridge, Reino Unido. A proposta é arrojada: desenvolver ativos digitais padronizados, transparentes e escaláveis que superem os problemas de credibilidade do mercado voluntário. O estudo introduz o conceito da PACT stablecoin, um instrumento digital ancorado em dados empíricos e hospedado em blockchain de baixo impacto ambiental, capaz de conferir fungibilidade aos créditos de carbono e integrá-los de forma robusta aos sistemas financeiros contemporâneos.
Ao reunir contribuições que transitam entre análise crítica, proposta normativa e reflexão técnico-política, Mercados de Carbono – Fundamentos, Propostas e Perspectivas oferece ao leitor um mapa dinâmico e aprofundado de um campo em transformação. Longe de assumir uma posição acrítica ou apologética, os textos articulam os potenciais desses mercados com os dilemas éticos, sociais e ambientais que seu crescimento acarreta. A coletânea pretende, assim, fomentar um debate informado e plural sobre a inserção do Brasil nos mercados de carbono, contribuindo para a construção de instrumentos mais justos, transparentes e eficazes frente à urgência climática do nosso tempo.
REACT
“O que torna esta obra singular é sua abordagem multidisciplinar. Créditos de carbono só se tornam uma realidade prática e efetiva porque há uma confluência de conhecimentos de diversas áreas, atuando em conjunto para viabilizar a mensuração, precificação, qualificação e certificação desses créditos. Em cada crédito de carbono, há ciência e tecnologia, direito e economia, ecologia, antropologia e sociologia. E é justamente essa diversidade de perspectivas que a presente coletânea traz, reunindo contribuições de especialistas de várias disciplinas e diferentes partes do mundo. O resultado é uma obra que não apenas discute os aspectos técnicos e regulatórios do mercado de carbono, mas também ilumina suas interseções com a justiça social, a governança ambiental, a conservação da biodiversidade e o respeito e fortalecimento dos povos indígenas e comunidades tradicionais.”
Do prefácio de Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente
Notícias do Mês [Junho/25]
Nesta edição especial de InfoCarbono, antecipamos em primeira mão o sumário da coletânea Mercados de Carbono – Fundamentos, Propostas e Perspectivas
Os impactos sociais dos mercados de carbono
Clara Serva, Helena Matos, Julian Rillo, Paula Nogueira e Vladimir Abreu
Mercado de carbono, povos e comunidades tradicionais e os desafios diante das especificidades do contexto amazônico
Elen Mesquita de Moura Nascimento, José Heder Benatti e Lise Tupiassu
Aspectos tecnológicos, comunicacionais e organizativos do mercado de carbono na mesorregião do Marajó: caminhos da expropriação de territórios de povos e comunidades tradicionais?
Carlos Augusto Pantoja Ramos
Natureza e economia conectadas: revelando o papel crucial da biodiversidade nos mercados de carbono
Albert G. Aguiar e Fabio Olmos
Mercados de carbono em áreas de uso coletivo: tipologias e direitos
Beatriz Garcia, Juliana Miranda, Julia Côrtes e Maria Victoria Hernandez Lerner
Aspectos jurídicos dos créditos de carbono florestal em territórios tradicionais
Ciro de Souza Brito e Mauricio Guetta
A titularidade dos créditos de carbono em reservas extrativistas
Carlos Portugal Gouvêa e Rodrigo Fialho Borges
A evolução dos tratados internacionais sobre mudança do clima
Rodrigo Valandro Sluminsky e Mariana Rodrigues da Silva
Perspectivas concorrentes e diálogo entre pareceres consultivos sobre mudança climática
Maria Antonia Tigre e Armando Rocha
REDD+ jurisdicional no Brasil: política, prática e perspectivas
Carolina Gueiros
A implementação do REDD+ jurisdicional no Brasil: desafios e oportunidades
Marcia Silva Stanton e Luiza Muccillo de Barcellos
Efeitos práticos da discussão acerca da natureza jurídica do crédito de carbono
Lilian Harada Coura e Luiz Henrique Grein Moniz de Aragão
Mercado de carbono internacional: a vigência do CBAM na Europa e os efeitos para os exportadores brasileiros
Rafaela Cristina Oliari e Bruno Herzmann Cardoso
Transparência e integridade: o caminho para a tokenização de créditos de carbono
Rodrigo Valandro Sluminsky e Mariana Rodrigues da Silva
Uso de créditos de carbono em indústrias de difícil abatimento
Cristiane Moura, Lucas Bermudes e Gabriela Lujan Brollo
Ativos digitais de carbono robustos, comparáveis e de alcance global
Sadiq Jaffer, Michael Dales, Patrick Ferris, Thomas Swinfield, Derek Sorensen, Robin Message, Srinivasan Keshav e Anil Madhavapeddy
IN LOCO
Carlos Portugal Gouvêa, Clara Serva e Rodrigo Fialho Borges, autores que assinam artigos na coletânea, com um dos coordenadores da publicação, Adriano Camargo Gomes
Mercados de Carbono – Fundamentos, Propostas e Perspectivas teve uma primeira apresentação especial ao público no último dia 5 de junho, em São Paulo, durante a 1ª Conexão IDGLOBAL – CIDG, na Faculdade de Direito da USP. Novos lançamentos presenciais estão sendo programados para outras cidades brasileiras, como Curitiba e Brasília.
PODCAST
InfoCarbono conversou com uma das coordenadoras da publicação, Elis Wendpap, sobre o conceito geral da coletânea, que tenta conjugar aspectos jurídicos e econômicos (os mais visíveis, em geral, na discussão) a importantíssimas abordagens sócio-ambientais e metodológicas – estas, especialmente, ainda bastante nebulosas na nossa incipiente regulamentação.
1×
0:00
-1:02
O ineditismo no Brasil de uma coletânea com esse escopo – e que ainda se empenha em ser acessível a vários públicos e, principalmente, traz para o centro do debate a posição dos povos e comunidades tradicionais nele – também mereceu destaque na conversa com a coordenadora do livro.
1×
0:00
-0:55
Sobre a diversidade de autoras e autores presentes na coletânea, a advogada e pesquisadora acrescentou:
1×
0:00
-0:59
“Não são só questões mercadológicas envolvidas aqui. Precisamos dar espaço para as outras áreas do conhecimento poderem apresentar sua visão dos créditos de carbono, de modo a expressar de forma muito mais fidedigna, em normas e contratos, o que de fato interessa nesse mercado: sua aplicação prática na vida das comunidades que são afetadas pelas emissões.”
Elis Wendpap, mestre em Direito pela NYU e pela UniCuritiba
InfoCarbono | FALE CONOSCO
Tem sugestões de pauta para esta newsletter? Gostaria de falar com um dos nossos advogados e consultores jurídicos dos povos e comunidades tradicionais?
Entre em contato com o jornalista Christian Schwartz por e-mail (carbono@camargoegomes.com) ou WhatsApp (41-99522-1414).
Obrigado por ler InfoCarbono! Inscreva-se gratuitamente para receber novas publicações e apoiar meu trabalho.