Edição #01 | Crédito aos povos da floresta
Comunidades tradicionais em busca de direitos no mercado de carbono
Bem-vinda e bem-vindo à newsletter InfoCarbono – uma publicação da Camargo e Gomes Advogados sobre o mercado de carbono no Brasil e suas implicações para os povos e comunidades tradicionais.
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Neste número: uma importante decisão da Justiça, e a opinião jurídica de Rodrigo Fialho Borges e Adriano Camargo Gomes sobre titularidade de créditos de carbono. Mais: notícias, informação e análise.
Divisor de águas para o mercado de carbono brasileiro
Um pouquinho do que pensamos sobre regulamentação, descarbonização e os povos e comunidades tradicionais
Numa decisão sem precedentes em qualquer Tribunal Superior do país, o STJ determinou que as ações relativas a créditos de carbono envolvendo comunidades extrativistas e, eventualmente, atores internacionais nesse mercado devem ser decididas pela Justiça Federal.
O processo que originou a decisão é o primeiro no país a enfrentar um caso de “grilagem” de créditos de carbono em territórios de comunidades extrativistas*. A ação foi proposta por duas associações representativas das comunidades no Estado do Pará em face tanto das empresas vendedoras, quanto das compradoras dos créditos, entre as quais Air France, Deloitte, Banco Santander e Barilla.
O projeto que deu origem aos créditos foi certificado pela Verra, principal certificadora internacional de créditos de carbono, que, segundo alegam as associações, ignorou a sobreposição do projeto com áreas de Reservas Extrativistas.
Apesar de ainda caber recurso da decisão do STJ, é muito difícil que ela seja modificada, pois o Ministério Público Federal e as partes que se manifestaram concordam que a competência para julgar a questão recai sobre a Justiça Federal.
Há grande expectativa pela resposta das empresas à decisão. E isso no mesmo momento em que, noutra frente, o Congresso discute a regulamentação da comercialização dos créditos: o chamado PL do Carbono seguiu para apreciação do Senado depois de sua aprovação na Câmara, no final do ano passado.
A decisão proferida pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva indicando a competência da Justiça Federal estabelece um parâmetro importantíssimo que tende a orientar a forma como todos os casos relativos a essa matéria serão julgados no futuro.
Quanto à interação futura entre a lei sendo discutida no Congresso e a ação presente da Justiça sobre casos concretos como o das comunidades do Pará, o advogado das associações, Adriano Camargo Gomes, esclarece: “A legislação vai estabelecer uma nova regulamentação sobre o tema. É possível que um ou outro dispositivo da lei venha a servir mais para interpretar aquilo que já está estabelecido [em julgamentos anteriores a sua aprovação] do que para estabelecer algo novo: existe essa possibilidade de que a legislação acabe se sintonizando com a jurisprudência.”
O futuro do mercado brasileiro de créditos de carbono – um mercado potencialmente revolucionário, mas que precisa funcionar em bases justas – começa, portanto, a ser decidido aqui e agora.
*A seção “Podcast”, ao final deste número, traz todas as informações e uma discussão muito bem informada sobre o caso.
“Esse será, provavelmente, o primeiro caso a respeito desse tema a ter um julgamento no Brasil, e vai estabelecer um parâmetro importantíssimo para a forma como os casos posteriores serão julgados.”
Adriano Camargo Gomes, advogado, mestre (Oxford) e doutor (USP) em Direito
Notícias & Artigos do Mês [Abril/24]
Um olhar atento para informações e opiniões sobre créditos de carbono, aqui e lá fora
ContilNet: Secretária diz que os povos indígenas ainda desconhecem o mercado de crédito de carbono no Acre
Uol: Padilha diz estar confiante na aprovação do marco do mercado de carbono ainda em 2024
Folha de S. Paulo: Pauta verde no Congresso enfrenta jabutis e disputa entre Lira e Pacheco
Carbon Report: Centro Brasil Clima vai propor ao Ministério da Fazenda a criação do Bolsa Carbono
Carbon Report: Biochar é considerado uma das melhores ferramentas para sequestro de carbono
O Joio e O Trigo: iFood quer entregadores gerando créditos de carbono em bicicletas e motos elétricas alugadas
Info Money: Startup de crédito de carbono quer ser remédio ao efeito adverso da IA
Reset: ‘Padrão ouro’ do net zero vai aceitar créditos de carbono
Reset: Após revolta interna, SBTi volta atrás sobre créditos de carbono
Reset: Créditos de carbono florestais são os mais eficazes, diz estudo
Folha de S. Paulo: Estados da Amazônia negociam créditos de carbono e se antecipam a Congresso e críticas do agro
Folha de S. Paulo: EUA fizeram lobby por controverso programa global de créditos de carbono
Folha de S. Paulo: Na contramão do mundo, Brasil não taxa carbono na reforma tributária
Olá Jornal: Estudo avalia geração de créditos de carbono nas lavouras de tabaco da região Sul
Agência de Notícias do Acre: Instituições realizam reunião de atualização sobre repartição de benefícios para projetos de crédito de carbono
Valor Econômico: Geração de crédito de carbono sobe no 1º trimestre de 2024 e preços seguem baixos
Valor Econômico: Pouco explorado, mercado de carbono atrai projetos
Exame: Nova carreira em alta: o que faz um especialista em mercado de carbono? Quanto ganha? Veja respostas
Financial Times: Shell sold millions of ‘phantom’ carbon credits
Edie: Amid SBTi controversies, WWF says carbon offsets ‘cannot be a substitute’ for decarbonisation
CarbonCredits.com: Netflix, Apple, Shell, Delta Join Kenya’s Carbon Credit Boom
Carbon Herald: EU To Provide $30M For Carbon Removal Projects
CNN: Sede da COP, Pará fará primeira emissão de créditos de carbono | LIVE CNN
Folha de S. Paulo: Entenda a controvérsia que dividiu o mercado de compensação de carbono
Carbon Report: Três coisas que você precisa saber sobre a contabilidade de carbono
Carbon Report: A revolução das soluções baseadas na natureza
Jota: Hidrogênio verde e créditos de carbono: um futuro mais sustentável
EPBR: Cresce a expectativa sobre a futura regulamentação do mercado de carbono
Valor Econômico: O Brasil como importador de créditos de carbono
Observador: Os riscos ocultos na Lei do Mercado Voluntário do Carbono (MVC)
Projetos para geração de créditos de carbono têm sido registrados e certificados a partir de reivindicações de posse de áreas de reserva, e os créditos resultantes, vendidos por intermediários que não prestam contas às comunidades historicamente ligadas a essas áreas.
A primeira ação do Brasil a contestar tal ilegalidade – no caso em prejuízo dos moradores das reservas extrativistas Mapuá e Terra Grande-Pracuúba, localizadas na Ilha de Marajó (Pará) – acaba de receber o reforço de um parecer especializado dos advogados Rodrigo Fialho Borges (FGV-SP) e Carlos Portugal Gouvêa (USP).
A InfoCarbono selecionou trechos de entrevista recente de Fialho Borges**, na qual o parecerista detalha alguns dos argumentos fundamentais a confirmar a titularidade dos povos da floresta sobre os créditos de carbono.
A geração em si desses ativos depende, afinal, da presença das comunidades nas áreas a elas designadas, preservadas em grande parte pelo próprio modo de vida dessas populações e por sua principal atividade econômica: o extrativismo.
Além disso, há a própria designação das áreas como reservas, o que invalida qualquer reivindicação de posse, anterior ou presente, dessas áreas por terceiros – e menos ainda de titularidade de eventuais créditos de carbono ali gerados.
Por fim, a responsabilidade pelo dano causado às comunidades em casos como esses deve se estender também às empresas compradoras dos créditos gerados fraudulentamente, argumenta o advogado.
**A íntegra da entrevista com Rodrigo Fialho Borges, da qual participa também o advogado Adriano Camargo Gomes, pode ser ouvida aqui.
“A titularidade sobre os créditos de carbono gerados em reservas extrativistas deve ser atribuída à população tradicional extrativista que historicamente habita e exerce a posse da região de acordo com o seu modo de vida tradicional e que, portanto, é a responsável pelo trabalho de preservação ambiental necessário para a geração de tais créditos. O crédito de carbono é fruto da manutenção da “floresta em pé”, possibilitada justamente pelo modo de vida e pelo relacionamento das comunidades extrativistas tradicionais com o território historicamente habitado por elas. […] a atividade de preservação gera um direito de propriedade com relação aos frutos de tal trabalho, que apenas é materializada pelo título de crédito, seguindo a definição clássica de direito de propriedade de John Locke. […] Entidades que participam da oferta de créditos de carbono ao mercado são responsáveis pela licitude e integridade da geração, certificação e comercialização desses créditos. […] [As compradoras dos créditos] atuando em um mercado voluntário que não conta com gatekeepers reconhecidos por lei ou regulação, não cumpriram [no caso em questão] com seus deveres de obtenção de informação e diligência e devem responder solidariamente com as vendedoras.”
Do parecer assinado pelos advogados Rodrigo Fialho Borges (FGV-SP) e Carlos Portugal Gouvêa (USP)
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